Em carta enviada à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e ao
ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, 24 organizações do
mundo todo, incluindo algumas do Brasil, alertam o governo sobre a
transferência e o comércio de espécies de aves endêmicas brasileiras,
sobretudo, as ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii), e pedem que seja
aberta uma investigação sobre as ações da Association for the
Conservation of Threatened Parrots (ACTP), criadouro alemão e
parceiro no programa de reintrodução da espécie na Bahia.
Em outubro o governo brasileiro foi pego de surpresa ao descobrir
que 26 ararinhas-azuis nascidas na sede da ACTP, em Berlim, foram
enviadas para o maior zoológico do mundo, que está em construção
na Índia.
Após a denúncia feita pela Rede Nacional de Combate ao
Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) e divulgada aqui no Conexão
Planeta, o Ibama e o ICMBio afirmaram que não foram consultados
sobre a transferência das araras brasileiras para o país asiático (leia
mais aqui).
Na época, o ICMBio informou que o acordo entre o Brasil e a ACTP
seria revisto e a repatriação das ararinhas solicitada, já que “não há
excedente na população em cativeiro de ararinhas-azuis que justifique
movimentações para atividades que não sejam de conservação… Toda
ararinha-azul é essencial para o programa de conservação”.
Na carta enviada ontem (19/12) a Marina Silva e Mauro Vieira,
organizações como a IFaw, a Humane Society International, a
Defenders of Wildlife, o Museu de Zoologia da Universidade de São
Paulo e a Renctas, dentre outras, relatam ainda preocupação sobre o
envio recente de 100 ararinhas da ACTP na Alemanha para zoológicos
e criadores particulares.
“A espécie é parte do patrimônio natural do povo brasileiro e não ocorre
em nenhum outro lugar do mundo. Lembrando que as ararinhasazuis estão extintas na natureza em decorrência do tráfico e da
demanda de colecionadores particulares, a comercialização é um
empreendimento extremamente arriscado e nunca deve ser
permitido. O comércio, sob qualquer forma, alimenta a procura desta
espécie valiosa e pode fornecer um disfarce para o comércio ilegal,
ameaçando assim as tentativas de restabelecer a espécie na natureza”,
dizem os signatários do documento.
O texto chama a atenção também para o crescente contrabando de
araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari), endêmica do Brasil assim
como a ararinha-azul, e em risco de extinção.
“O máximo escrutínio de quaisquer transferências é necessário para
salvaguardar a sobrevivência da população de araras endêmicas do
Brasil…
Para auxiliar esse processo, encorajamos seu governo a
solicitar informações mais detalhadas da Alemanha sobre o número,
destinos e proprietários das aves que foram transferidas (tanto para
fora como para dentro do União Europeia), quais aves são mantidas
fora do programa, cópias das licenças emitidas, acordos efetuados às
transferências e valores de eventuais remunerações envolvidas”,
pedem as entidades.
Para elas, uma investigação sobre o papel da ACTP é essencial. O
criadouro foi quem construiu e mantem financeiramente toda a
estrutura montada para a soltura das aves em Curaçá, na Bahia.
Além disso, a parceria estabelecida com a associação garantiria a ela “poder
de decisão soberano” em relação ao programa de reintrodução das
ararinhas, apesar de servidores do ICMBio relatarem
questionamentos sobre a “idoneidade” do parceiro alemão.
O Conexão Planeta enviou um e-mail à assessoria de imprensa do
Ministério do Meio Ambiente pedindo uma declaração sobre o
assunto e aguarda uma resposta. Assim que a recebermos,
atualizaremos este texto.
Denúncias e petição por investigação
A preocupação das ONGs internacionais sobre o criador da Alemanha
não é nova. Em 2018, uma denúncia do jornal britânico The
Guardian levantou uma série de fatos sobre Martin Guth, proprietário
da Association for the Conservation of Threatened Parrots. De acordo
com a reportagem, o alemão, que ficou preso durante cinco anos por
crimes de extorsão e sequestro, poderia ter envolvimento com o
tráfico ilegal de aves.
O Conexão Planeta repercutiu a denúncia no Brasil na época e fez
várias matérias sobre o assunto. Descobriu que muitos biólogos e
criadores no país já tinham ouvido falar sobre a má fama de Guth,
mas todos relataram medo em denunciar o criador (confira nesta
outra reportagem).
Há uma petição internacional, com quase 55 mil assinaturas, que
pede uma investigação ao governo alemão sobre a ACTP. Contudo,
segundo o Bundesamt für Naturschutz (BfN), Agência Federal para a
Conservação da Natureza da Alemanha, não há indícios de ilegalidade
no trabalho da associação.
Procurado pelo Conexão Planeta na época, o ministério do Meio
Ambiente do Brasil, ainda sob a gestão de Edson Duarte e de Ricardo
Salles, nunca se posicionou sobre as denúncias.
Em entrevista por e-mail, Martin Guth disse que sua ficha criminal
está limpa e prefere não envolver sua vida pessoal com o projeto das
ararinhas.
Confira abaixo os nomes das 24 organizações que assinaram o
documento enviado ao governo brasileiro:
BirdsCaribbean
Born Free Foundation
CATCA Environmental and Wildlife Society
Center for Biological Diversity
David Shepherd Wildlife Foundation
Defenders of Wildlife
Environmental Investigation Agency
Eurogroup for Animals
Fondation Franz Weber
Humane Society International
International Fund for Animal Welfare
Lymington Foundation
Macaw Recovery Network
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo
Pan African Sanctuary Alliance
ProWildlife
Rare Species Conservatory Foundation
RENCTAS
Robin des Bois
Species Survival Network
Vogelschutz-Komitee
Wild Parrot Coalition
World Animal Protection Brazil
World Parrot Trust
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